quarta-feira, 8 de julho de 2009

Façanhas Cubanas I - EXPLORADOS



“É o seu cinto, tire-o”.O vigilante latino não mediu as palavras, palavras ásperas, pouco sensíveis e duras e que soavam mais como ordens, nenhum pouco flexíveis, nas quais meu camarada, sujeito digno, um cidadão respeitável, obedeceu com o olhar de quem sabe que aquele será um longo dia e as opções não são nada muito divinas. Amaldiçoamos toda tecnologia e lentos processos nos rodeando e embarcamos.

Pense o que quiser, um vôo de Belo Horizonte ao Panamá, saindo ás 4:28 da manha ainda sim é muito suspeito. Tentava refletir sobre isso, mas eis que surge Rosa. Bela Rosa! Panamenha, graciosa como mel e tequila em noites vivas estreladas. A aeromoça que qualquer rapaz em busca de aventuras e façanhas lendárias sonharia em fugir junto. Rosa, você ficará para sempre em mim. Eu e você, você com castanholas apaixonantes, tornaremos real aquilo que os cristãos chamam de amar verdadeiramente até que a morte nos separe. Sim Rosa, você terá as mais fervorosas alegrias...


No vôo, tentando explicar a minha mente que aquela atmosfera selvagem não era digna de preocupação e estava tudo bem com o piloto, mesmo se ele tivesse uma vida inútil e soubesse disso, botar aquela maquina voadora abaixo matando todo mundo, só pelo motivo de ter tido um dia pior que o normal, não aconteceria. O rapaz com certeza tinha ética profissional, imaginei. Mas experimentos recentes ligados a praticas espirituais pouco convencionais impossibilitavam minha mente de encontrar algum bom-senso em algum lugar.


Meu camarada, também alucinado por Rosa, todos exalavam desejos por ela, já tinha partido para generosas doses de wiskey puro. Dava para ver, a grande altitude e o álcool causavam um efeito nele. Tudo que falava era acompanhado de largos sorrisos e expressões abstratas. Pensei em começar a beber, mas o medo de que as coisas tomassem um rumo ainda mais excêntrico me segurou. Tomar uns tragos naquela situação, no meio de um vôo que poderia muito bem ser uma farsa, acabaria criando um tipo de paranóia, na qual venho tentando evitar desde das noites asquerosas, perdido no meio de cidades, onde a principal atração turística são seres cabeçudos verdes pouco humanos – você sabe que não tem escapatória, mas o que faz tudo desabar mesmo, é saber que não tem para onde ir se algo começar a pegar fogo, ou se animais selvagens resolverem dar as caras.


NÃO É POSSÍVEL COMPRAR CHAPÉU PANAMÁ NO AEROPORTO DO PANAMÁ. Isso quebra qualquer caneta.

Se alguém sabe o que é terror paranóico seguido de doses cavalares da certeza de que o pior vai acontecer, então entenderá o que senti na primeira experiência social em Havana. Eu e meu camarada, dois joviais e bem humorados rapazes, sorridentes e entorpecidos por testosterona, pessoas inofensivas, esperávamos para passar pela imigração cubana.

“Raul, Gregorio, vocês vem de Belo Horizonte, não é mesmo?” – isso em um espanhol autoritário que não deixa ninguém à vontade, ainda mais quando é alguém armado usando-o. Como ele sabia tudo aquilo?

“Vocês vão para as Bahamas?” – QUE? Pra onde? Aquilo já estava indo longe demais. Eu estava errado, ainda ia mais longe.

”Raul, você tem família nos Estados Unidos? Morou lá quanto tempo?” Sempre dávamos as explicações mais sinceras possíveis.

”Vocês vão para as Bahamas?” Repetia as mesmas perguntas todo o momento e nós já havíamos respondido em inglês, espanhol e português.

”Você tem família nos Estados Unidos, Raul?” – Ele não desistia. Vigilante durão.

”Bem vindos a Cuba!” – De repente ele vai embora. E eu tinha a certeza de estar sendo muito bem vindo.

PORRA! Venho dar uma forcinha pro comunismo, saber qual é, ver as atmosferas sociais desse lugar, e me tratam assim? Bem vindo a Cuba. Muito bem vindo a cuba, senhor cubano vigilante policial durão, usando táticas de questionamento nada encantadoras, que fariam qualquer um cair em plena desgraça emocional, colocando em meu espírito um terror absolutamente devastador para minha pobre alma, que já é paranóica o bastante por si só e deixando meu corpo em um tremedeira, que para passar pela imigração, eu agia de forma tão amedrontada e pouco convencional que tinha certeza: não deixariam entrar no país um ser com modos e ações tão fora da realidade, um indivíduo nenhum pouco senhor de si como eu parecia no momento.

A partir dali, minha consciência tornou-se hesitante e eu começava a ficar preocupado. Bem, aqui o barato não é a liberdade, estamos em uma ditadura, se quiserem enfiar meu rabo em uma prisão sem ter que respeitar nada, eles podem e nada os impedirá de fazer isso. – Algum tempo depois, conversando, discutindo e lendo, deixei essa preocupação de lado e comecei a pensar que a onda não é tão pesada assim. E realmente não é.

Mas esse pensamento tomou conta de mim nas primeiras horas em Cuba. Do aeroporto até onde dormiríamos, juro que tentava, mas não conseguia refletir e nem ter primeiras impressões sobre Havana, imagens, prédio, pessoas, mar, Malecón, nenhuma idéia inicial. Passei boa parte da viajem pelo ar lembrando-me de ver se o outdoor com Ho Chi Min proclamando fazer um Vietnã 10.000 (???) vezes melhor ainda existia por lá, perto do aeroporto. Nem lembrei – o outdoor não está mais lá, Fernando Morais, na última edição do interessante livro “A Ilha”, afirma isso.

Tudo aquilo com o vigilante cubano armado foi um trauma muito pesado. Para uma recuperação digna seria preciso muito RUM...e garotas encantadoras.



2 comentários:

  1. -
    "PORRA! Venho dar uma forcinha pro comunismo, saber qual é, ver as atmosferas sociais desse lugar, e me tratam assim?"

    "Para uma recuperação digna seria preciso muito RUM...e garotas encantadoras."

    Sensacional, Raulzito! Parabéns pelo texto descontraído e inteligente. Depois vou ler os outros. Abraço!

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  2. Valew pelo comentário, grande!
    Que bom que você gostou.
    Até mais.

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