sábado, 21 de fevereiro de 2009

Carnaval/Cartas II/Resposta




Resposta de Raulzito

Para: Bernardo Biagioni (Carnaval/Carta II)


Ufa! Achei que você tinha perdido a cabeça. Já estava pronto para chegar em sua casa batendo a porta e gritando “Tá louco meu irmão?!?!?”. Seria engraçado se o Eustáquio estivesse no sofá nesse momento. Ele não entenderia nada.


Perdoe a minha falta de sensibilidade, responsabilizando você por toda a futura anarquia que esses dois vão causar, mas tenho motivos para isso. Não é a primeira vez que viajo com eles. Há alguns verões atrás, naquela época em que as coisas não andavam nada boas por aqui – Nelson Gonçlaves havia morrido e nos passamos a tomar de três a quatro garrafas de rum por dia, relembrando como Lulu Santos costumava ser O CARA – um pouco antes de você sumir, para ser encontrado só dois anos depois, vivendo com aquela trupe de tanguistas circenses em Stalingrado, eles me raptaram. Não me lembro de quase nada, agiram como profissionais. Só sei que em uma manhã tão bonita quanto à manhã de Sweet Virginia dos Rolling Stones, enquanto eu regava o jardim e dançava bolero com a minha nêga, os dois, vestidos de piratas e completamente chapados, apareceram do nada – como ninjas fazem – e me capturaram. Fiquei sem reação! Imagine se piratas bêbados, agindo como ninjas, surgissem de repente na sua frente? Completamente apavorante, isso eu posso dizer.


No meio do caminho para a Bahia, tive a oportunidade de saltar do carro e fugir. Mas pensei “Foda-se, estou nisso até o fim”. A essa altura, eu já estava bem doidão e tinha parado de suar. A minha comunicação com os dois começava a melhorar. Chegaram até a me dar uns bolinhos deliciosos.


Rodeado de vários litros de bebida alcoólica e de dezenas de pílulas de cores diferentes, abri um sorriso, pensando estar preparado para todo o tipo de experiência que estava a minha espera, por mais extravagantes que fossem. Bem, eu estava enganado...


O grande problema desses rapazes era o nacionalismo exacerbado. Particularmente, não tenho nada contra isso, porém quando se encontravam no ponto mais alto das alucinações, passavam dias vestidos apenas com a bandeira do nosso país, obrigavam-me a tocar corneta por horas e saiam assustando as velhinhas da região, dizendo que eram Café Filho e participavam de uma tal sociedade alternativa. Muitas das idosas não sobrevivem a esse choque.


O que fez com que eu não perdesse o juízo por completo nessa aventura foi o samba. Mais precisamente, um maravilhoso álbum que trazia a divina Elizeth Cardoso, acompanhada pelo Zimbo Trio e por Jacob do Bandolim. Estive pensando, um músico, para chegar ao ponto de receber o nome do instrumento que toca, tem que entender bastante do que faz. E o Mestre Jacob entendia. Com seu bandolim, ele conseguia englobar as músicas em uma atmosfera mágica, tornando-as quase algo de outro mundo. Considerando o repertório – cheio de Vinicius e Tom, Pixinguinha, Roberto Menescal, Noeal Rosa – cantado por uma das mais memoráveis vozes já existentes na música, você deve entender bem, o quão maravilhoso é a experiência de ouvir esse clássico. De samba conheço pouco, mas para mim, sem dúvida alguma, essa é a melhor gravação existente do gênero.


Espero que tenha entendido a profundidade da enrascada em nos meteu. Agora não tem mais volta. E quer saber? Foda-se, estou nessa até o fim.




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Carta II

De: Bernardo Biagioni
Para: Raulzito

Tudo bem, eu explico porque eu convidei aqueles dois ‘canibais fumadores de erva’ para a viagem. Ontem nós saímos de madrugada para dar uns tiros. Pegamos uma arma de paintball enferrujada e fomos para um trilho de trem abandonado que fica perto lá de casa. A brincadeira era a seguinte: empurrávamos alguém para frente e começávamos a disparar sem dó nem piedade. Tudo estava correndo bem, até que um dos nossos perdeu o controle e disparou contra a janela de um prédio. Tivemos que ficar abaixados na grama até que a polícia desistisse da detenção. Enquanto os cães farejadores faziam seu serviço sujo, a gente conversava sobre extraterrestres, amigos abduzidos e seres geneticamente modificados.

Vou te confessar que o Antônio estava trincando. À medida que as histórias iam se desenrolando, o sujeito seguia no exercício silencioso de comprimir todos os músculos do corpo, uma nítida reação de ansiedade, pânico e inquietação. Depois, quando já estávamos em um posto de gasolina, ele veio caminhando baixinho na minha direção e perguntou: “Cara, aqueles casos eram de verdade?”. Raul, veja bem: Eu sentia correr uma pontada de fascinação por cada extremidade daquele corpo – O Antônio estava se revirando na vontade de encontrar um extraterrestre e desencadear de vez o misticismo encrespado em cada poro de seu cérebro. Então, sem perder o controle, coloquei minha mão direita sobre seu ombro e exclamei com convicção: “Venha com a gente para o Carnaval. Você vai encontrar todas as respostas que desnorteiam os seus pensamentos. Todas as suas dúvidas serão preenchidas com certezas absolutas e os seus devaneios mais íntimos serão esclarecidos um a um”.

Quanto ao Flávio, o outro ‘canibal de erva’, ele entrou nessa por forças surpreendentes do cosmos. Estávamos em algum bar conversando sobre a Sensação de ser Brasileiro, Mitos do Carnaval e descobrir uma Força interior e acabei fazendo o convite. Acho que todos nós estivemos remando no mesmo barco há algum tempo sem saber. Essa Viagem será uma chance de mergulharmos no limite da nossa Consciência para tragar e beber os distúrbios inverossímeis da nossa mente. Lembro quando li Aldous Huxley pela primeira vez: “Se as portas da percepção estiverem abertas, você verá o mundo como ele realmente é: infinito.” É isso, entende?

Bom, agora nos resta brindar a infinitude da nossa alma e encarar de cabeça as próximas vibrações. A hora está chegando e, quando for o momento certo, poderemos gozar a essência de todos os sentidos da nossa Alma e sentir, pela primeira vez, o Poder de ser Brasileiro.

Bon Voyage,

Bernardo Biagioni

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